Por Nabor Jr, especialmente para O MENELICK 2º ATO
Fotos Juliana Biscalquin
O relógio marca 11h27 a.m. Rojões, fogos de artifício, buzinas e vuvuzelas começam a colorir a atmosfera paulistana. Era o dia da estréia da seleção brasileira na Copa do Mundo na África do Sul e a cidade, horas antes do jogo, já respirava o falso patriotismo que acomete a população em tempos de Copa do Mundo. De repente, o cinza “kassábico” deu lugar ao verde, amarelo, azul e branco.
Mas no bairro da Bela Vista, em São Paulo, apesar das bandeiras pintadas no asfalto, o barulho infernal das ruas e a expectativa dos torcedores contrastava com o silêncio e a tranqüilidade de um dos conjuntos do edifício número 111, na rua Barata Ribeiro.
Nenhuma novidade. O inquilino Alex Hornest não é lá um grande entusiasta do esporte bretão. Ainda desfrutando dos primeiros meses da paternidade, sua maior motivação para assistir o jogo entre Brasil e Coréia do Norte era a possibilidade de estar ao lado da filha.
Caseiro, metódico e simpático, Alex Hornest abriu as portas do seu estúdio para O Menelick 2º Ato. Cercado por livros, telas, latas de spray, dois grandes monitores de LCD ligados a um Mac Book Pro e envolto a um incomum silêncio em meio a efervescente expectativa dos brasileiros com o início da jornada tupiniquim na Copa, Onesto falou. Sobre o que? Honestamente? Sobre tudo e sobre nada. Isso é arte!
Onesto vem de Hornest....
_ Não, é o contrário. Comecei a pintar Onesto na rua, mas sem a letra H, porque achava legal o lance da palavra começar com O e terminar com O. E também porque eu faço vídeos e não queria assinar com o meu nome de batismo...
Que é....
_ Segredo... Então eu coloquei Hornest, que é uma invenção minha. E ficou Alex Hornest. Hoje eu incorporei este nome ao meu.
A vida aos 37...
_ Me vejo fazendo muita coisa que eu fazia no passado. Quando eu pegava lata de óleo vazia da minha mãe e queria cortar, abrir. Fazer algum brinquedo com aquilo. Hoje eu vejo que continuo fazendo essas coisas, só que em escala maior. Com um conhecimento maior. Vejo muito da minha infância no meu presente. Sempre quis desenhar. Lembro do meu pai trazendo gibis pra mim e eu copiando os personagens. Chegou uma hora que eu não queria mais copiar os desenhos do Walrt Disney, do Maurício de Souza. Eu queria ter os meus.
Quebrada
_ Cresci no bairro da Penha, na Vila Esperança, Zona Leste de São Paulo. Depois mudei pra São Miguel Paulista com meus pais. Estou em Perdizes há 5 anos, desde que casei.
Início
_ Sempre estive na rua, brincando e tal, desde criança. E na Penha tinha um cinema de bairro, na Avenida Itinguçú, e todo domingo eu ia lá, nem sabia a programação, mas estava lá vendo os filmes. Um dia exibiram o filme “Beat Street”, e nele tinha uns caras dançando break, cantando rap, mas quando mostrou um cara fazendo graffiti eu disse: é isso! Pensei que além de simplesmente estar na rua, podia estar na rua, pintando e desenhando.
Pixação
_ Adoro pixação. Acho incrível a forma como criam as caligrafias e a atitude deles. Apesar de nunca ter pixado, sempre tive esse fascínio por graffiti, pixação, coisas urbanas. Então fui buscar informação do que era, como faziam. Mas nessa época (início dos anos 90) quase não havia informação sobre essas manifestações.
Como eu era office boy, e rodava o centro de São Paulo, até que via algumas coisas pelos muros, tipo Osgêmeos, Speto, Vitché, o pessoal do stencil, Tupinamdá, Rui Amaral, então, eram essas as referências que eu tinha.
Tenho vários amigos que pixam, mas nunca tive essa vontade porque sempre quis fazer coisas coloridas, com volume. Trabalhar o 2D de uma maneira mais ampla.
Criação dos personagens
_ Coloquei na minha cabeça que enquanto não estivesse bom nas letras não ia fazer desenhos. Então fiquei muitos anos nas letras e só depois incorporei os personagens.
Rua
_ Se eu parar de pintar na rua, pra mim, acabou. Porque a rua é o meu verdadeiro ateliê. Na rua que eu exerço minha criatividade à flor da pele, faço experiências, tenho contato com as pessoas. Isso o é que me alimenta, me faz ter idéias...
Transição para as galerias e museus
_ Foi difícil. Nunca aceitei muito bem. Sempre quis estar na rua. Até hoje eu separo uma coisa da outra. A partir do momento que eu passei a compreender que na rua eu faço graffiti e aqui dentro (de um estúdio, galeria, museu...) eu faço uma escultura, uma tela, eu comecei a aceitar melhor essa transição.
Na primeira exposição que participei, no MIS (Museu da Imagem e do Som, em São Paulo), acho que em 92 ou 94, pintei um bunner. Foi muito estranho. Pensei comigo: será que é isso mesmo o que eu quero? Ver um trabalho meu em um evento, restrito?
A arte acabou
_ A arte nunca vai acabar. O que aconteceu foi que mudaram-se os meios de como a arte é feita. Hoje o artista não precisa saber pintar, desenhar. Ele pode ter a idéia e encomendar essa idéia. Chegar em alguém que tem mais habilidade, um artesão, por exemplo, encomendar uma peça, expor aquilo e falar que é dele. Hoje a arte pode ser apenas uma idéia, um insight. Eu me sinto privilegiado por estar vivendo nesse tempo.
Em episódio recente a Globo noticiou um flagra da polícia. Dois pixadores que, em ação, caíram do primeiro andar de um edifício da R. Consolação, no centro. A apresentadora, Carla Vilhena disse: "não entendo qual a graça de escrever umas baboseiras que ninguém entende. Ou, quem entende são idiotas assim como eles". Qual sua interpretação sobre tal comentário? (ou, Como você interpreta tal comentário?)
_ Ela falou isso!?
Falou...
_ Acho que esse lance dos pixadores subirem em prédios é uma evolução. Eles estão procurando outros níveis. Começaram em baixo, foram para o topo dos prédios e hoje as janelas e fachadas. Acho que pintar um prédio e todos os seus cantos é o ápice da pixação.
Quanto ao comentário da jornalista, não entendi. Tem gente que se arrisca no automobilismo por exemplo, e aí?. Tá certo que tem mídia, dinheiro, mas não deixa de ser um risco.
Se as pessoas precisam deste risco é porque elas necessitam deste momento. Cada um sabe o que precisa pra si. A "mina" dizer que eles são idiotas não acrescenta em nada.
A vaidade do artista com a sua produção. Como lidar com a efemeridade das ruas?
_ O Graffiti me fez ver que o meu trabalho não tem mais valor que qualquer outro trabalho. O que realmente me leva para as ruas é o fato de conhecer pessoas. Ter contato com a cidade, e com as coisas que me cercam. Eu estou lá pintando e do nada chega um tiozinho que eu nunca conversaria em um dia normal. Isso que é o legal de fazer graffiti, agora se ele vai durar ou não isso não me importa, eu não tenho mais esse apego, curto o momento e tiro uma foto do resultado. A partir do momento que eu entendi a essência do graffiti eu perdi esse apego. O auge é o momento da produção, esse momento sim, é pleno.
Que história é essa de 72 assinaturas?
_ Para cada linha de trabalho incorporo um nome e um personagem. Seja para criar telas, esculturas, graffitis, fotografias, vídeos, etc. Setenta e dois é para colocar um limite, já que nasci em 1972, aproveitei para impor a mim mesmo essa “barreira”. Tenho diversos codinomes, Alex Hornest, Onesto, Emprolde, Ddia, Stok, Negativo...
Sua relação com a fotografia, vídeo e novas mídias
_ Comecei fazendo registros fotográficos do que eu via na cidade pra depois transforma-las. Ainda hoje faço fotografias e depois realizo uma reflexão com as imagens e faço um desenho. Assim treino minhas observações do dia-a-dia. Não consigo criar um trabalho que seja apenas uma ilustração, um desenho bonito ou feio.
Também tenho uma produtora pequena que se chama 03em01. Gosto de trabalhar o passo a passo, Stop Motion. Agora estou produzindo um curta de animação de um artista chamado Anderson Resende. Também gosto muito de história em quadrinhos. Sempre que posso envio um trabalho para o salão de Piracicaba (Salão de Humor de Piracicaba). Estou produzindo um agora.
Seja qual for a plataforma não deixo de sair das temáticas urbanas. Estou produzindo um longametragem, por exemplo, que se chama “Lugares Neutros”, que mostra a visão de cinco artistas de graffiti sobre a cidade de São Paulo e suas experiências.
Acho que tudo isso me complementa. Não consigo ficar quieto.
Formação
_ Fiz um curso de Desenho de Comunicação, no Carlos de Campos (Escola Técnica Estadual Carlos de Campos), e antes um de Administração de Empresas no Arlindo Pinto (em São Miguel Paulista). Foram 4 anos cada curso.
Presente
_Agora estou tentando me focar somente nas coisas que realmente gosto de fazer. Fiz uma proposta pra galeria com quem trabalho, a Thomas Cohn: _ Ficar um ano só produzindo (telas e esculturas) pra ver o que acontece. Pra poder trabalhar bem nas peças sem se preocupar com mais nada e disso quem sabe fazer uma seleção das melhores para uma próxima exposição.
O conhecimento nos aproxima da ignorância?
_ Com certeza! (rs) Quanto mais conhecimento você tem mais burro você quer ficar. Você começa a ficar mais exigente, mais crítico. Se você não sabe o que ta passando você fica na sua. Mas a gente está sempre em busca do conhecimento. Isso é péssimo!
Artistas plásticos negros
_ Tem muitos artistas que procuram não expor sua produção, digamos, ao grande público. Ficam no canto deles. Muitos são ótimos artesãos. Depois que eu passei a ter mais contato com o Museu Afro Brasil, e com o Emanuel Araújo (diretor do Museu), vi que tem muitos bons artistas negros no país e fora dele também. O problema é que o público não tem muito acesso ao o que eles estão produzindo.
Negritude
_ Não sei se facilitou ou dificultou algo para mim. Eu vejo grandes vantagens em ser negro. A limitação esta dentro de cada pessoa, elas é quem sabem até onde podem chegar.
Ser negro
_ O mais importante em ser negro é minha consciência. O que eu posso com isso. Hoje sei que muitas pessoas se espelham no meu trabalho, no que eu faço e no meu modo de agir. Estou no lugar de parentes meus e artistas que, na minha juventude, eu admirava. Ser negro pra mim é ter postura. Saber me valorizar. Hoje muitos me consideram um ponto de partida e se espelham em minha tragetória.
Referências
_ No graffiti Barry McGee, que nas ruas assina como Twist, na escultura Victor Brecheret e Alberto Giacometti e na pintura artistas chineses como Yang Shaobin.